Nove anos atrás o Porta dos Fundos fez um vídeo no qual um homem acorda de um coma em 2025 no hospital Carrefour, com vista para a Lagoa Kuat e o Cristo Jequiti. Tecnicamente, ainda falta um ano para o Senhor Bradesco acordar, mas já podemos ver um jogo do Red Bull Bragantino pelo Brasileirão Betano no estádio Morumbis com campo, uniformes, telas, tudo cercado de marcas.
Eu acordo todo dia de manhã e checo meus e-mails e lá está um deles patrocinado pela Lenovo mostrando o preço atual de um notebook e “outras ofertas”. Meu próximo passo é fazer um café enquanto vejo minhas redes e as notícias do dia, e é impossível passar por isso sem publis de influencers ou uma tela pop up surgindo com um pacote de viagem. Medo de abrir minha geladeira e surgir uma marca me oferendo promoção de supermercado.
As marcas estão em todo lugar e com a nossa vida cada vez mais conectada, os anúncios parecem cada vez mais sufocantes. Em 2007, a empresa de pesquisa de mercado Yankelovich realizou uma pesquisa com 4.110 pessoas e descobriu que vemos em média cerca de 10.000 anúncios por dia.
Ninguém. aguenta. mais.
Por isso, não me surpreendeu em nada me deparar com esse post no Substack que pede encarecidamente para que as marcas não destruam esse espaço com a sua presença. Ninguém gosta de publicidade, só publicitário. Aliás, acho que nem publicitário deve gostar realmente. Para uma pessoa decidir conscientemente me obrigar a ver uma propaganda para conseguir terminar o que eu estava fazendo em um app grátis e colocar aqueles botãozinhos tão pequenos que não dá pra clicar no X, não deve gostar de onde trabalha e tem o objetivo de me fazer odiar também.
Esse cansaço tem até um nome: marketing fatigue (fatiga de marketing). Alguns dados chamam atenção para isso (o último o pesadelo do marketeiro):
Dois terços dos consumidores (66%) desejam receber menos mensagens de marketing; (Optimove)
27% sentem que são bombardeados por essas mensagens; (Optimove)
75% das marcas poderiam desaparecer e as pessoas não se importariam. (Meaningful Brands)
Mas o problema que estamos tendo com essa fatiga, não é apenas por conta do volume de ads. O post da Letícia também resume isso. Ela quer as marcas fora do Substack porque considera que é um espaço legal e genuíno e isso vai se perder quando as marcas começarem a fazer o que sempre tem feito: se promoverem da forma mais forçada possível.
As marcas vão se tocar que viraram a chata do rolê?
O “velho marketing” não provocará mais os mesmos resultados. A forçação de barra, a compra da atenção, a “perseguição” das pessoas com anúncios, a maquiagem desmedida, o exagero proposital, a falcatrua em forma de comunicação estão com os seus dias contados.
Quem está falando isso não sou eu (poderia ser), mas o João Branco, um dos maiores profissionais de marketing do Brasil, que ganhou notoriedade como Vice-Presidente de Marketing do McDonalds e que agora se dedica a aulas, palestras, à carreira de escritor, como no livro “Desmarketize-se”, do qual tirei essa citação.
Vale a pena ler o livro? Olha, você vai encontrar trocentas anedotas para provar uma lição bem naquele tipo post de LinkedIn que - tal como as marcas - ninguém aguenta mais. Também vai esbarrar em frases mais cafonas que perfil de casal no Instagram, como “A verdadeira alma do seu negócio não está na propaganda. A alma do negócio está no seu coração”. Mas se você estiver disposto a ter uma leitura que de vez em quando vai te fazer revirar os olhos, você pode tirar algumas lições importantes dali. Foi o que fiz (inclusive, li exclusivamente para escrever esse texto… o que não faço por atenção vocês, viu?)
O ponto de trazer essa referência é que temos sim gente falando que: tá chato, já deu. E estão falando porque sabem o que fazem e porque isso está impactando negativamente as marcas. Afinal, os consumidores estão aí dizendo o que pensam e pagando para não ver seus anúncios, como tem feito o YouTube, por exemplo.
Só que a gente costuma pensar que as empresas funcionam seguindo uma racionalidade pura de mercado. Por exemplo, que se chegarmos com uma apresentação no powerpoint falando da estratégia de marketing mais certeira para empresa, irão seguir. A verdade é que mesmo provando de fato que pode ser até mesmo mais lucrativo não bombardear pessoas com publicidade, isso não é garantia de que a marca adotará essa prática. Acho que o Elon Musk já deixou bem claro que pessoas em posições de decisão podem ser bastante burras (para quem não sabe, o X - rest in peace - já perdeu 71% de valor de mercado sob o comando dele).
Por outro lado, existem marcas que já estão bastante por dentro disso. O próprio McDonald’s do João Branco virou Méqui e passou a adotar uma estratégia menos engessada (”Fome de Méqui”, “Méquizices” passaram a fazer parte da publicidade da marca) depois de constatarem que seus consumidores se sentiam afastados da marca. “Era como se o seu ‘amigo de infância’, tivesse virado um ‘chatão’. A comunicação que sempre usávamos não se conectava mais com eles.”, disse.
E existem marcas que estão levando isso até mais longe. A FYS, marca de refrigerante, é um exemplo disso. Não conhece? Talvez porque eles não investem tanto em publicidade, como dizem no slogan: “FYS contém 50% menos açúcar e menos marketing”. No site eles explicam: Porque a gente sabe que ninguém gosta de clichês de propaganda, de muito ahhh, muito prove, muito blá blá blá... Então a gente tem menos.”
E obviamente além das estratégias de menos marketing o que estamos mais vendo são marcas adotando estratégias de marketing que não parece marketing. A Duolingo, por exemplo, não fica esfregando na sua cara o tempo todo nem que é um app de ensino de idiomas. Ao invés disso eles colocam uma coruja de calcinha zoando a queda do X, por que não?
Outra marca que normalmente acerta o tom é a Netflix. Esses dias vi a divulgação que fizeram do filme “Feios” com a Alexandra Gurgel (quem é rato de internet vai entender a referência) que ficou simplesmente perfeito. E existem também os influenciadores, que tem sido as melhores formas das marcas fazem uma publi escondida dentro de um conteúdo que parece orgânico. Quem faz isso muito bem é a Mari Krüger, bióloga e divulgadora científica. Nesse vídeo, por exemplo, ela pegou um tema em alta na época - estavam falando que os gringos achavam que o brasileiro tem cheiro de alho??? - e explica se isso tem base científica ao mesmo tempo que promove uma marca de roupa antiodor, que parece apenas um detalhe no vídeo. Você já está imerso no conteúdo quando percebe que é uma publi, por isso “caí na publi e nem vi” e “mano, uma publi. fui iludido e gostei” são alguns dos comentários que ela recebeu nesse vídeo patrocinado.
Infelizmente, mais do que exemplos de marcas que conseguem fazer esse tom de marketing que dá certo, vemos muitas que até tentam, mas falham miseravelmente. O caso mais recente que repercutiu foi do Coala Festival, que tentou dar uma resposta engraçadinha, mas saiu como uma patada.
A verdade é que as marcas já estão se ligando de que precisam de autenticidade de uma Duolingo, mas sem querer correr risco algum. Nos bastidores, o que acontece é que muitas vezes as equipes têm ideias criativas, mas daí vêm os cortes e ajustes de cima, e algo que era autêntico acaba parecendo piada de tiozão no Natal. . Outro problema é também não dar condições para a criatividade fluir – seja espaço e liberdade para ideias mais criativas, seja condições materiais, como bons salários, benefícios, capacitação, etc.
Então, enquanto as marcas tentam se adaptar à exaustão dos consumidores, fica claro que não adianta mais saturar as pessoas com mensagens vazias e exageradas. As empresas que se destacarem serão aquelas que entenderem que menos é mais, que autenticidade não pode ser fabricada e que as pessoas não estão pedindo por mais anúncios, mas por uma comunicação verdadeira e significativa. Talvez o futuro da publicidade esteja, paradoxalmente, em deixar de ser "publicidade" e se transformar em algo que as pessoas queiram de verdade.
☕ Falei bastante sobre como odiamos propagandas em geral, mas como tudo na vida, há exceções. E uma dessas exceções, digna de estudo, acontece em um evento onde os comerciais têm tanto destaque quanto o próprio espetáculo: o Super Bowl. Eu disse que merece ser estudado? Já foi. Um estudo publicado na Psychology Today analisa por que as pessoas adoram os anúncios do Super Bowl. Em resumo: ser engraçado é uma maneira certeira de capturar atenção; criar surpresas ajuda a tornar as mensagens inesquecíveis; e celebridades estabelecem credibilidade, nos mantendo interessados.
☕Essa edição do Out of Office fala sobre “o uso do humor nas marcas e seu impacto na vida profissional”, confira aqui.
☕Um exemplo que publicidade que eu gostei de ver foi uma campanha recente da Coca-cola. Em vez de proteger rigidamente um de seus ativos mais valiosos – o logo –, a marca optou por abraçar as diversas versões informais que aparecem em estabelecimentos de rua ao redor do mundo. Essa abertura demonstra confiança e aproxima a Coca-Cola ainda mais de seu público, celebrando a forma como sua marca é reinterpretada globalmente.
☕Também falando nisso, topei com este vídeo do Renan Souza falando de uma marca canadense que também usa a estratégia de economizar no marketing.
Essa é uma nova seção da minha Newsletter. Por aqui vou abrir o jogo e compartilhar meus conhecimentos, processos criativos, projetos. Sem segredos e direto ao ponto.
Vocês costumam fazer fichamentos de livros?
Entre tantas leituras, às vezes sei que tenho a referência que preciso, mas não lembro exatamente onde encontrá-la. Foi por isso que voltei a adotar o hábito de fazer fichamentos enquanto leio.
Esse era um método que eu usava na época da faculdade e resolvi retomar recentemente. É uma abordagem bem simples: crio uma tabela com o destaque, a página e alguma observação pessoal.
Fica a dica.
Aliás, eu criei essa tabela e guardo todos meus fichamentos no Notion (mais conhecido como a salvação para minha desorganização). Se você está precisando de uma ajuda, fiz um Template para dar aquele pontapé inicial na sua organização, que você pode conferir melhor aqui.
☕ O psicólogo e professor da Universidade de Nova York, Jonathan Haidt, alega ter provas de que smartphones e redes sociais são responsáveis por “reconfigurar” o cérebro e destruir a saúde mental de crianças e adolescentes. Ele lançou o livro “A Geração Ansiosa” e esse artigo do Manual do Usuário, que comenta os principais pontos da obra, vale a pena a leitura.
☕ Sobre o mais recente bafafá do LinkedIn, do imbecil lá que falou um monte de merda de mulher CEO…eu quase escrevi sobre isso, mas não precisei porque me senti contemplada pelo texto “Não quero ser CEO, quero ficar de boa” da Rafaela Venturim.
☕ O mistério da Celebridade Número 6 foi finalmente desvendado! Esse enigma pairava sobre a internet há quase seis anos. Tudo começou quando um usuário do Reddit pediu ajuda para identificar as celebridades estampadas no tecido abaixo. Aos poucos, a comunidade virtual se mobilizou, numerando cada uma delas para facilitar a organização. Algumas foram rapidamente identificadas, como dois atores de Lost, Jessica Alba, Adriana Lima (que aparece duas vezes), entre outros. Mas o desafio ia além de reconhecer os rostos; era também encontrar as fotos exatas usadas na estampa e onde foram publicadas. Contudo, uma figura permaneceu incógnita: a celebridade número seis.
A comunidade tentou de tudo — contataram a fabricante do tecido, o designer, e até deduziram que a foto da celebridade número 6 havia sido tirada entre 2003 e 2007, com base nas outras imagens — mas sem sucesso. Ao longo dos anos, surgiram inúmeros palpites, mas ninguém conseguia provar com certeza quem era. Até agora. A celebridade número 6 foi finalmente identificada como Leticia Sardá, uma ex-modelo que atualmente vive na Espanha. Este artigo do New York Times detalha como chegaram a essa descoberta e entrevista a própria Sardá, que desconhecia completamente que sua imagem estava sendo tão intensamente procurada.
☕Apesar de estar muito longa, eu não poderia encerrar essa News sem indicar esse vídeo de Tati, @quasevingativa no Tiktok, que fala sobre Mad Max/Furiosa e a era do cinema atual onde todo mundo é lindo mas ninguém tá com tesão.
Se todo mundo se juntar pra denunciar qualquer perfil de qualquer marca que aparecer como ad pago a gente mantém esse lugar bom kkkk
Excelente artigo e concordo plenamente com o que foi dito: já existem canais suficientes para que as marcas façam suas ações (inclusive, agora temos que pagar mais caro para não vê-las em momentos nada a ver, como durante um filme no streaming). E o pessoal já está bem bombardeado com informações a todo instante, muitas bem pasteurizadas.
Que as marcas se proponham a serem mais genuínas, sem que elas fujam de seus propósitos e que mantenham este espaço intacto, genuíno como a proposta inicial, hehe.