Arte, Política e... Melrose Place?
Como um coletivo de artistas conseguiu infiltrar obras políticas subversivas em um dos maiores shows de TV americanos.
Normalmente, a gente vai a um museu para ver uma obra de arte, mas a arte está em todo lugar… inclusive em um set de televisão. Hoje vou contar uma das histórias mais curiosas e ousadas que já vi: um grupo de artistas que decidiu “infiltrar” mensagens e obras com críticas políticas em uma série de TV dos anos 90 sem serem barrados pela censura do órgão regulador americano. E o mais surpreendente? O plano deu certo.
GALA Committee
Tudo começa com Mel Chin, um artista nascido em Houston, Texas, reconhecido pela diversidade de abordagens em sua arte, que inclui tanto trabalhos colaborativos multidisciplinares quanto a integração de ciência para desenvolver ideias ecológicas. Em 1990, ele criou o Revival Field, um projeto pioneiro na área de “remediação verde,” utilizando plantas para remover metais pesados do solo. No projeto S.P.A.W.N, Chin converte casas incendiadas de Detroit em fazendas de minhocas que beneficiam a economia local e em KNOWMAD ele aborda o tema de culturas nômades a partir de uma obra interativa de videogame.
Ele viajava frequentemente entre a Georgia, onde lecionava temporariamente, e de Los Angeles, onde conduzia um workshop no California Institute of the Arts no qual debatia a relação entre cultura pop e Hollywood. Em um dos seus vôos de rotina, Chin lembra de ter pensado: “Los Angeles está no ar”. Imagino a perspectiva de olhar a cidade de cima, onde tudo fica pequeno e percebemos como tudo aquilo está conectado. “Nosso mundo é transformado por informações secretas, mensagens políticas”, ele pensou, “como é que isso funcionaria se fosse arte?”.
Nessa mesma época, Chin foi convidado a participar de uma exposição coletiva no Museum of Contemporary Art Los Angeles (MOCA) chamada Uncommon Sense. Esse convite foi o pontapé para que Chin borbulhasse de ideias, no qual o fez pensar: e se pudéssemos fornecer obras de arte e adereços com mensagens culturais políticas codificadas para uma série de sucesso?
Foi então que ele ligou para a área de design cênico de uma série hit do momento e quem atendeu do outro lado da linha foi a decoradora Deborah Siegel. Ela ouviu a proposta e achou tudo uma grande burrice que poderia acabar com sua carreira? Imagina! Ela achou o máximo e topou ser a ponte.
A série em questão se chamava Melrose Place, exibida entre 1992 e 1999, que se passa no condomínio Melrose, em Los Angeles. Na série, as vidas de seus locatários se cruzam em diversas situações envolvendo ambição, sexo, traições e até mesmo assassinatos. Uma grande novela mexicana americana spin-off de Barrados no Baile, lembram? Ou não é da sua época e estou velha? Enfim, a série foi um sucesso instantâneo entre o público e o set perfeito para um artista conceitual passar sua mensagem.
Um? Não, vários. Chin fez desse um projeto coletivo e assim foi fundado o GALA Committee. O nome “GALA” incialmente surgiu como uma abreviação de “Georgia” (GA) e Los Angeles (LA), mas depois absorveu artistas de diversas partes dos EUA - chegando a uma centena, incluindo principalmente estudantes e artistas profissionais desconhecidos. Eles iniciaram um experimento de dois anos que consistia em incluir sorrateiramente trabalhos artísticos com temas políticos, como direitos reprodutivos, HIV/AIDS e terrorismo doméstico (?!), na série Melrose Place. Alguns desses tópicos abordados pelo grupo haviam sido banidos pelo Federal Communications Comition (FCC), órgão regulador norte-americano da área de telecomunicações e radiofusão. O objetivo, portanto, era de utilizar os objetos em cenas da série com críticas políticas que “passassem” pela censura.
A Deborah Siegel era louca visionária, mas não ao ponto de ter todo esse risco nas suas costas sozinha. O produtor executivo do programa, Frank South, estava por dentro da intervenção artística, mas optaram por deixar de fora o chefão, Aaron Spelling, e também a alta cúpula da emissora. Porque, né? O não viria com força.
A maioria das pessoas envolvidas na série começaram sabendo que haveria essa intervenção artística mas não tinham ideia de conteúdo político das obras. Depois, as mensagens foram sendo captadas - algumas não eram, digamos, sutis - e o chefão Aaron Spelling deixou que continuasse, segundo ele, “desde que não prejudicasse o show”.
O GALA Committee nomeou o projeto de “In the Name of the Place” e as obras apareceram na quarta e quinta temporadas da série. Mas que obras foram essas? Calma, tá logo aqui embaixo.
In the Name of the Place
De longe, um conjunto de cama estampado. De perto, as estampas são camisinhas. "Tínhamos reparado que as personagens da série fazem muito sexo mas nunca são retratadas usando preservativos ou contraceptivos, por isso transformámos esta cena num anúncio de sexo seguro, embora tivéssemos de infringir a lei para o fazer”, disseram. Preservativos desenrolados não poderiam ser exibidos na TV, segundo regulamentos da FCC, mas quando formados no padrão da estampa passaram despercebidos.
Os artistas do Gala Commitee recebiam o roteiro antecipadamente para formularem os objetos e adereços do programa, o que os permitia saber não apenas o contexto das cenas - em termos de pensarem em itens que estariam no set -, mas também de poderem saber as falas dos personagens e conseguirem fazer essas correlações dos diálogos com as obras. Numa cena do show, a personagem Jane pergunta a um carteiro quanto tempo ele faz aquela rota, no qual ele responde “18 anos, isso é tempo suficiente?”. O roteiro apontava que o tom mostraria que ele estaria “ficando maluco” (em inglês, “going postal”, que faz até um trocadilho com o trabalho). A obra para a cena é uma bolsa de carteiro com uma alça acoplada de uma arma de fogo AK-47, um comentário sobre a cultura armamentista americana sendo entregue em cada residência.
Em outra cena, a personagem Alison precisa ficar em casa porque está passando por uma gravidez de risco. O conceito por trás da obra que iria para essa cena refletia sobre o quanto o aborto era um tema tabu na TV. Nessas séries novelescas, era mais fácil que eles optassem pela mulher cair de uma escada e perder o bebê do que efetivamente ter uma personagem tomando a decisão consciente de fazer um aborto. O GALA resolveu abordar o tema a partir de uma manta que encobria a personagem. A estampa da peça mostrava a estrutura química do RU-486, um medicamento abortivo utilizado amplamente na Europa mas que havia sido banido nos EUA na época.
O GALA transformou o cenário do “Shooter's Bar”, substituindo todas as garrafas de bebidas alcoólicas por obras de arte repletas de informação. Elas estavam disfarçadas em mais de setenta garrafas e rótulos. O bar inteiro é uma linha cronológica da história do álcool e do consumo nos Estados Unidos, de 1700 até a década de 90, época em que a série foi exibida. Não sei vocês, mas eu achei isso absolutamente genial.
Em "Total Proof", uma garrafa de licor forma a cratera de impacto no edifício destruído no atentado que aconteceu em Oklahoma City em 1995. Foi a obra mais controversa do grupo que tinha como objetivo falar sobre o impacto destrutivo do alcoolismo.
Um emblema do continente africano substitui a bola branca do jogo de sinuca por uma bola negra. “África é a bola oito”, uma referência à onipresença do racismo. Em “Target Audience”, o público-alvo da série, mulheres entre os 18 e os 49 anos, viram literalmente o alvo. “Cat Clock” faz uma alusão ao gato de Schrodinger. “HIV Pillow” traz para as telas um dos temas tabu na época ao retratar o vírus do HIV em uma almofada. A expressão “don’t ask, don’t tell” (que em português seria “não pergunte, não conte” - apesar de eu achar que deve existir uma tradução melhor pra isso), estampa uma mochila militar. Um pôster mostra dois homens e uma criança com os dizeres “brave new family” (corajosa nova família) na obra “Family Values Campaign”.
Foram muitas, muitas, obras utilizadas em Melrose Place. Tantas que não consigo abordar todas aqui, mas fiz uma curadoria das que achei mais interessantes. As obras acabaram integrando a exposição Uncommon Sense, no MOCA em 1997. Após a exposição, foram leiloadas pela Sotheby's, tendo todo o dinheiro angariado sido doado a instituições de caridade na Califórnia e na Geórgia que apoiavam mulheres entre os 18 e os 49 anos - o mesmo público-alvo de Melrose Place.
In the Name of the Place mostrou como uma novela popular pode ser cenário de uma intervenção artística e subversivamente política. Mostrou como a arte pode estar em qualquer lugar. E mostrou também como a colaboração artística pode trazer novas formas de expressão e da comunicação de ideias - e aqui quero frisar não apenas a colaboração dos mais de 100 artistas que compunham o GALA, mas principalmente a colaboração com a equipe da série que tinham todos motivos para dizer um “não” ao projeto mas resolveram abraçar a ideia. Mostrou também como ter coragem e assumir riscos resulta em coisas geniais.
A intervenção do GALA Committee abre caminhos para refletirmos como a mídia de entretenimento pode (e talvez deva) ser usada para desafiar o status quo e instigar discussões sociais. Ainda que seja em locais improváveis, como Melrose Place.
Eu tenho usado um prompt muito bom para analisar meus textos no chat gpt. Não fui eu quem fiz, eu traduzi de um cara que compartilhou pelos Notes do substack (se alguém identificar, me avisa nos comentários que dou os devidos créditos). Eu usei para o texto da news de hoje:
O prompt é esse aqui:
Aja como um editor de texto orientado para os detalhes. Fornecerei a você um texto longo, como uma postagem de blog, artigo de boletim informativo, postagem no LinkedIn, script do Youtube, e-mails de marketing, etc. E então você analisará o texto para o seguinte:
Estrutura
Fornecer feedback sobre ordem lógica e coerência.
Forneça exemplos de quaisquer melhorias recomendadas.
Conteúdo
Identifique quaisquer oportunidades para melhorar o ponto de vista ou formas de agregar mais valor ao leitor.
Forneça feedback prático sobre maneiras de aprimorar o texto usando dicas, motivos, erros, exemplos, histórias, pesquisas ou outras atualizações de conteúdo para tornar o texto mais valioso e envolvente para o leitor. Explique a lógica de cada escolha.
Gramática
Faça uma análise gramatical detalhada.
Destaque palavras com erros ortográficos
Destaque o uso da voz passiva
Destaque frases incompletas, complicadas ou confusas.
Você entendeu? Nesse caso, conduza a análise uma etapa de cada vez. Por favor, confirme comigo antes de passar para a próxima etapa.
☕The Branding Guidelines Archive é um arquivo de manuais de marca, de Netflix à Coca-Cola, tem muita coisa que vale muito a pena conferir! Link.
☕O site Resume Checker avalia seu currículo dando uma nota de compatibilidade com sistemas de seleção automática (ATS) que muitas empresas, como a temida Gupy, usam. O ponto positivo: é grátis. O negativo: é em inglês. Link.
☕Oito amigos em um jantar passam por uma sequência de eventos perturbadores devido à influência maligna de um cometa que passa. Esse é o resumo de Coherence, um filme que vi recentemente e não poderia deixar de indicar por aqui.
Aviso final!
Antes de dizer tchau, quero comemorar aqui com vocês meu primeiro assinante pago da Brew! 🎉
Isso quer dizer que vou começar a colocar em prática promessa que fiz para assinantes pagos que é de alimentar um Notion (sim, sempre ele) com conteúdos extras. Não serão textos meus, serão, por exemplo, livros, arquivos editáveis de design que eu tenha feito, prompts úteis, curadoria de sites, templates de organização pessoal, enfim, coisas como as que compartilho aqui, porém bem mais.
O aviso é para meu único assinante pago: calma que vem aí!
E se você tem interesse, considere se tornar meu segundo assinante :)