#9 - Todo mundo precisa ser uma marca?
Reflexões e desabafos sobre minha incapacidade de manter uma *personal brand*.
Tom Peters inaugurou o termo marca pessoal – personal brand – no artigo de 1997 intitulado The Brand Called You ("A Marca Chamada Você", em tradução livre). Nele, Peters descreve a marca pessoal como o conjunto das percepções sobre sua personalidade, valores, caráter, talentos e habilidades e argumenta que cada indivíduo deve gerenciar sua própria imagem e reputação, assim como as grandes marcas fazem. E é graças a esse desgraçado senhor, que hoje temos 300 Top Voices diferentes no LinkedIn dando dicas de como fortalecer sua marca pessoal para um monte de desgraçados (dessa vez sem censura) como nós.
Uma amiga me perguntou uma vez se eu poderia ajudá-la a montar uma conta profissional no Instagram. Ela é uma psicóloga, doutora pela USP e, apesar de termos idade próxima e sermos muito parecidas em muitos aspectos, uma diferença abismal entre nós é que ela não tem traquejo nenhum com nada de redes sociais. E pudera… nas últimas décadas da vida, ela estudou e trabalhou para se especializar em seu campo de conhecimento, que não era esse. Ela poderia escrever um artigo científico do mais complexo possível, mas não teria ideia de como editar um Reels.
Além de fazer graduação, mestrado e doutorado em psicologia, é justo que minha amiga se veja obrigada a ter todo conhecimento de design, redes sociais, redação, estar por dentro de tendências, saber como funcionam os algoritmos, estar sempre atualizada com as novas funcionalidades que as plataformas oferecem e isso sem falar de gestão de tráfego e anúncios? E teria que postar num ritmo eterno, de preferência todo dia. Consistência é o que importa, não é mesmo?
Mais de 20 anos depois da publicação do artigo de Tom Peters, a tal da marca pessoal se tornou uma gestão tática e estratégica obrigatória para quem quer se posicionar no mercado. Afinal, o que não é branding senão a busca por visibilidade e diferenciação nesse mar de possibilidades?
“Sob a tirania da distribuição algorítmica de mídia, artistas, autores — qualquer pessoa cujo trabalho se preocupa com o que significa ser humano — agora também precisam ser empreendedores.”, diz um artigo da Vox do início desse ano que foi a inspiração direta para essa reflexão/desabafo que trago aqui hoje.
[Tradução: “O Instagram costumava ser uma ferramenta para mim. Agora sou uma ferramenta para o Instagram”]
Inescapável. É assim que eu me sinto com relação a tudo isso. A gente se vê na obrigação de jogar esse jogo para simplesmente conseguir… mais oportunidades? Sucesso?
Eu comecei essa Newsletter, inclusive, como um projeto de fortalecimento de ✨marca pessoal✨. A ideia é que fosse uma alternativa a algo que nunca consegui fazer: postar com consistência nas redes sociais. E porque gosto de escrever, achei que seria mais fácil. Não demorou muito para eu perceber que a regularidade de escrever um texto por mês também seria algo que eu não ia conseguir cumprir com excelência. Mas eu tô tempo demais nessa vida para me obrigar a algo que não tô a fim, por isso apareço aqui quando dá. E também quando acho que tenho algo de interessante pra compartilhar.
Mas de certa forma me sinto também na obrigação de ter uma marca pessoal, principalmente sendo designer, área em que as redes sociais são muito utilizadas como vitrines do seu trabalho. Eu queria só postar memes, burrices gerais e comentar de House of Dragons como qualquer outra pessoa cronicamente online.
A ironia, no entanto, é que as marcas estão sendo construídas para serem cada vez mais pessoalizadas para agora meterem que as pessoas que precisam ser marcas? Uma marca é construída com base em arquétipos, estereótipos e mil planejamentos de personas e tons de voz. Mas a gente… as pessoas são tão mais complexas e autênticas. Nossa vida real não cabe numa narrativa de storytelling de jornada do herói. E não deveria precisar caber nisso.
Naomi Klein, autora do livro No Logo (em português, “Sem Logo: a tirania das marcas em um planeta vendido”) falava sobre como grandes corporações passaram a investir mais em marketing do que em seus produtos. O livro foi lançado em 1999 e ela diz numa entrevista ao The Guardian que de lá para cá “A maior mudança desde que No Logo foi lançado é que o neoliberalismo criou tanta precariedade que a mercantilização do eu agora é vista como a única rota para qualquer tipo de segurança econômica. Além disso, as redes sociais nos deram as ferramentas para nos comercializarmos sem parar.” Segundo Klein isso é algo negativo porque “Marcas não cooperam muito bem – elas são construídas para serem egoístas e proprietárias.”
E eu já estou chegando na cota de caracteres que essa Newsletter permite, mas gostaria de deixar vocês com esse trecho de um vídeo da Guta Tolmasquim, aka “Guta do Purple Metrics”, que dialoga muito bem com essa perspectiva da Klein -e de quebra te apresento a uma das melhores pessoas que fala sobre branding nas redes, caso você ainda não a conheça. Adianto: veja até o final.
☕ A Ellen Lupton escreveu na epígrafe de Pensar com Tipos que “A tipografia é a aparência da linguagem”. Lembrei disso quando vi esse vídeo do Wisdom Kaye, que é simplesmente o cara mais bem vestido do Tiktok - segundo eu mesma e a Vogue - no qual ele “veste” alguns dos tipos mais famosos.
☕ Aesthetic virou um termo da moda. A tradução literal é “estética”, mas pode ser entendido também como um estilo. O Consumer Aesthetics Research Institute categoriza essas estéticas e vale super a pena conferir. Esse exemplo abaixo chama-se Wacky Pomo, comum no final dos anos 90 e início dos anos 2000, lembra? Link pro site aqui.
☕ O site Leia Isso, que fazia o trabalho de interesse público de tirar o paywall de sites de notícia, chegou ao seu fim. A Newsletter Manual do Usuário conversou com o fundador sobre isso. Link para a matéria.
☕ Essa é uma @ que conheço faz tempo mas que vira e mexe esqueço e volta pra minha timeline me emocionando de novo. Eu te dedico é uma página que publica dedicatórias encontradas em livros de todo tipo. Link aqui.
“Meu bem, desde quando te conheci, sinto que o meu trajeto elíptico entrou em um mais descompasso, uma vez que as forças gravitacionais aplicadas em meu corpo celeste penderam cada vez mais em sua direção. Acontece que, como tudo no universo, estamos sempre sujeitos a alterações e acredito que estou sendo deslocado por um buraco negro de força evidente e inevitável. Apesar disso, também acredito que a influência que exercemos um no outro deixaram mudanças expressivas nos nossos planetas. Que prazer foi poder orbitar você! Te amo um universo, pra sempre.”
“É uma tremenda ironia eu ter ganho esta obrade ti na mesma ocasião em que eu mais fui ferida como mulher e companheira.Creio que sou a que menos precisa deste livro. Agradeço e lhe devolvo comvotos de um feliz aniversário. - AR.”
“Sei que combinamos de inventar outros presentes, mas esta marola merece um salto mesmo que desconfiado. Então só salta! Salta daqui pra cair na água que salga, naquela que endurece o cabelo, numa outra que gela a espinha ou na que vem de cima (que mais parece vir de dentro). E quando o calor do encontro pedir paciência, testa com as pontinhas dos dedos. Vai no tempo que o corpo pedir. Mas se ele pedir correria, corre no gás da coragem honesta. Na coragem que é também medo, que dá liberdade pra voltar atrás e esperar a pele esquentar um pouco mais antes de molhar o umbigo. Corre deixando a areia queimar a sola do pé e se precisar faz uma pausa na sombra feliz de gente desconhecida. Aproveita e se desconhece um tanto também. Se der (e quiser) chega de encontro com a onda e lembra que nunca, em hipótese alguma, devemos dar as costas pra ela. Esteja a mergulhar. Em si, em nós, no que fizer sentido. Não esquece que se hoje eu mergulho no meu mar é porque cresci te vendo mergulhar no teu.Com amor (daquele bem mareado, com cheiro de fritada de lula e cor de lua cheia em Castelhanos). - Da irmã Vivi”
Eu amei esse texto. Me senti representada em cada linha, e eu, estrategista de Branding Pessoal às vezes me sinto uma desgr4çada pelo sistema neoliberal que ajuda outros desgr4çados a sobreviverem em meio a esse caos. But, to buscando formas mais humanas (e espirituais) de fazer esse trabalho sem desgraçar as pessoas. Viver o capitalismo é uma merda mas fugir pras colinas também não dá pra ser uma opção, quando se depende do sistema pra prosperar, viver é até mesmo, sobreviver.
A social media virou o e-commerce do eu.