Brew #10
“As pessoas passam um terço das suas vidas a dormir. E se os empregados pudessem trabalhar durante esse tempo... nos seus sonhos?”. É assim que começa o artigo da Fortune que conta sobre uma nova proposta da startup Lucid Dream. O feito seria possível utilizando um equipamento que a empresa chama de “Halo”, o qual induziria um estado de “sonho lúcido” através de uma IA própria chamada Morpheus-1 que opera através de neuro estimulações ao cérebro.
Assim, as pessoas teriam controle sobre o seu sonho e, como tudo no capitalismo, isso significaria também utilizar esse tempo para a máxima produtividade. “Um diretor executivo pode ensaiar para uma reunião do conselho de administração, um atleta pode treinar jogadas, um web designer pode criar novos modelos - ‘o fator limitante é a sua imaginação’”, disse o fundador e diretor executivo Eric Wollberg à Fortune.
Em janeiro deste ano, a empresa abriu inscrições para usuários testarem seu produto. No entanto, não é a única start up a entrar no ramo dos sonhos. Em fevereiro deste ano, a REMspace, anunciou que eles “alcançaram o primeiro controle bidirecional de um objeto virtual a partir de um sonho lúcido”. Um estudo de laboratório contou com cinco participantes que foram capazes de controlar conscientemente durante alguns segundos até minutos um Tesla virtual enquanto dormiam:
“Foram desenvolvidos equipamentos especiais baseados em sensores de eletromiografia. Se uma pessoa mexesse as pernas num sonho, isso levava ao movimento de um avatar virtual (Cybertruck) no ecrã do computador. Os movimentos das mãos faziam o carro virar e os obstáculos eram sinalizados por luz através das pálpebras.”
O estudo foi publicado no International Journal of Dream Research.
Isso é muito Black Mirror
É realmente bizarra essa relação que a ficção tem com a realidade. No filme 007: Um Novo Dia Para Morrer (2002) somos apresentados ao vilão Gustav Graves que cria o satélite “Icarus” com objetivo de focar energia solar a uma pequena área da terra, possibilitando luz para produção agrícola durante o ano inteiro - mas Graves esconde um outro propósito bélico do projeto. É curioso que o filme tenha apresentado um propósito oculto a esse empreendimento, como se ter pessoas trabalhando 24 horas para o agro negócio já não fosse algo digno de um vilão.
Pois bem. No final dos anos 90, um consórcio espacial russo-europeu anunciou planos de colocar na órbita terrestre uma corrente com vários satélites sincronizados com a órbita do Sol que teriam a capacidade de refletir a luz para a Terra, iluminando uma área de 25 quilômetros quadrados. O propósito declarado do empreendimento era de fornecer iluminação para regiões remotas como a Sibéria, permitindo a exploração de recursos naturais locais, mas depois foi cogitado ser utilizado para iluminar regiões metropolitanas para acabar com a noite e “reduzir os custos de eletricidade”. O projeto foi evidentemente rechaçado - só pensar o que isso significaria para o meio ambiente -, mas não sem antes ter sido tentado colocar em prática (e falhado).
Soldados que não dormem parece algo tirado de um episódio de Black Mirror? Pois o Departamento de Defesa dos EUA já disponibilizou vultuoso orçamento para estudar o pardal de coroa branca, espécie que tem a peculiar capacidade de permanecer acordado por até 7 dias enquanto está em movimento migratório. O objetivo é de obter conhecimentos que possam ser aplicáveis a seres humanos.
Em 2014, eu roubei peguei emprestado de uma amiga e nunca devolvi o livro “24/7: capitalismo tardio e os fins do sono”, de Jonathan Crary, de onde tirei essas informações e indico fortemente para quem se interessou pela Newsletter desse mês. Crary se debruça sobre o mundo 24/7 - 24 horas por dia, 7 dias por semana -, um mundo em funcionamento contínuo, sem sombras, iluminado, sem pausa, sem um tempo com demarcação identificável. Um projeto capitalista que é interrompido pelo sono e por isso o esforço de controlá-lo:
“O sono é uma interrupção sem concessões no roubo de nosso tempo pelo capitalismo. A maioria das necessidades aparentemente irredutíveis da vida humana - fome, sede, desejo sexual e recentemente a necessidade de amizade - foi transformada em mercadoria ou investimento. O sono afirma a ideia de uma necessidade humana e de um intervalo de tempo que não pode ser colonizado nem submetido a um mecanismo monolítico de lucratividade, e desse modo permanece uma anomalia incongruente e um local de crise no presente global. Apesar de todas as pesquisas científicas, frustra e confunde qualquer estratégia para explorá-lo ou redefini-lo. A verdade chocante, inconcebível, é que nenhum valor pode ser extraído do sono”.
O famoso “trabalhe enquanto eles dormem”, por si só, já é uma imposição ideológica atual contra o descanso. O que essas empresas tech não escondem é o objetivo de elevar isso às últimas consequências., afinal, se podemos estar trabalhando até mesmo dormindo, é possível, literalmente, trabalhar numa escala 24/7. Mas enquanto as startups ainda não colocaram no mercado um produto que efetivamente te faz trabalhar dormindo, não podemos deixar de pensar no que já foi bem-sucedido: o trabalho tira seu sono hoje?
☕O app Whering permite que você faça um guarda-roupa virtual e realize seu sonho desde As Patricinhas de Beverly Hills.
☕ Eu não consigo pular um vídeo do Nounish quando passa no meu tiktok. Então, resolvi compartilhar aqui para quem ainda não conhece.
☕O "Blizzard Book" é um tipo de encadernação feito a partir de dobras, como um origami. É uma ideia super bacana para quem se interessa por criar coisas artesanais. Quem quiser aprender, é só procurar por esse nome no Youtube que tem vários tutoriais como esse.
☕Esse fio no Xwitter mostra os melhores anúncios da Bic. Separei aqui alguns dos meus preferidos e queria destacar o que está escrito “food for thought” (em tradução livre seria algo como “alimento para o pensamento”), que faz referência ao costume que muita gente tem de mastigar a tampa da caneta.






assustadíssima com essa ideia! meu Deus, o capitalismo não deixa nada em paz...