Uma curiosidade: eu me formei em Direito na UnB antes de fazer transição de carreira para design gráfico. São poucas as oportunidades que tenho, hoje, de lidar com essas questões mais jurídicas. Eu escolhi esse tema, no entanto, porque minha carreira está permeada por esse assunto, desde a utilização da IA como um auxílio ao trabalho do designer (uso muito pelo photoshop) quanto propriamente a ameaça de substituição da profissão. Espero que curtam a leitura!
O lançamento do Chat GPT representou um significativo no avanço da inteligência artificial e modelos de linguagem extensos, alcançando a impressionante marca de 100 milhões de usuários em apenas dois meses. Não se falava em outra coisa. inclusive tava exaustivo entrar no LinkedIn por isso
Até então, nunca tínhamos experimentado “conversar” com uma máquina de forma tão natural. As respostas a perguntas curiosas viralizavam ao mesmo tempo em que a preocupação com uma tecnologia nova surgia.
No entanto, nenhuma inovação vem sem desafios e a Open Ai tem enfrentado muitos desde então. O mais recente deles é um processinho de ninguém mais, ninguém menos que o New York Times. Mona, não tava sabendo? Pois vou te explicar esse bafo.
Perspectiva do New York Times
O New York Times moveu uma ação judicial contra a OpenAI e a Microsoft devido à utilização de seu conteúdo no treinamento de inteligência artificial. É basicamente um processo por violação de direitos autoriais, no qual o NY Times afirma que a OpenAI tem utilizado o enorme investimento do Times em jornalismo para criar “produtos substitutivos” sem permissão ou pagamento.
Afirmam que apesar de inúmeros conteúdos serem também alimentados para treinar a IA, o ChatGPT pode reproduzir palavra por palavra artigos do NYT. E dizem que podem provar isso, viu? Um artigo do NYT aponta que o processo inclui exemplos que mostram isso.
Além de afirmar que a Open AI estaria utilizando os conteúdos produzidos por eles de forma ilegal, o NYT aponta também que isso estaria ameaçando a sua própria capacidade de continuar existindo.
Há tempos que veículos de notícias vem sofrendo um baque atrás de outro em suas receitas e IAs, como Chat GPT, parecem ser o último prego no caixão: utilizam seus conteúdos ao mesmo tempo que tiram seus cliques. O Times aponta ainda que tem uma importância vital para a democracia. E, sim, em termos de fake news, jornalismo de qualidade é não apenas importante, mas imprescindível (e isso tem um cu$to).
Percebe a importância desse caso?
Bem, depois de ler tudo isso eu já tava irada pensando que a Open AI tinha que se fuder pagar sim para utilizar esse conteúdo e que com certeza esse processo tava ganho! Mas nada é tão simples.
A perspectiva da Open AI
Estávamos falando que esse é um caso que se trata primordialmente de violação de direitos autorais, lembra? Pois bem. Existem usos permitidos até mesmo para conteúdo protegido por direitos autorais, sem mesmo a necessidade de pagamento ou autorização. Chamam isso de “fair use” (algo como “uso livre”).
A lei americana não tem uma lista do que seria ou não “fair use”, isso varia caso a caso e é exatamente essa a alegação da Open AI. Eles afirmam que não reproduzem o texto do New York Times, e sim o utilizam para produzir algo novo. Esse uso transformativo, segundo eles, seria um caso de fair use.
E mesmo assim para produzir esse algo novo não é apenas o conteúdo do New York Times que está sendo utilizado, compondo apenas uma parcela mínima dele. Segundo o artigo do portal Jota, os “conteúdos criados pelo NYT representam 1,2% das fontes listadas pelo WebText2, que com 19 bilhões de tokens, representa 22% do mix para treinamento da ferramenta”. Sendo assim, “com exceção de mecanismos artificiosos de prompts direcionados, não há como singularizar determinado conteúdo (seja do NYT, seja das demais fontes) na base de treinamento para lhe atribuir papel determinante na produção de algum output criativo, gerado pelo ChatGPT”.
Além disso, a OpenAI diz que tem trabalhado com veículos de comunicação para construírem soluções construtivas para todos, inclusive com a possibilidade de atribuir a autoria do conteúdo utilizado pelo Chat GPT. Recentemente, por exemplo, fizeram um acordo com a Axel Springer, editora global de notícias, permitindo que o ChatGPT utilize o conteúdo para treinar sua IA e, em contrapartida, atribuem a autoria do que for utilizado deles e conferem links para os artigos completos.
Porque isso importa?
Apesar de ser uma ação movida nos Estados Unidos, isso obviamente terá reflexos aqui. O resultado dessa treta disputa pode representar o fim do Chat GPT ou solidificar de vez sua presença. A Open AI já afirmou ser “impossível criar ferramentas de IA como o ChatGPT sem material protegido por direitos autorais”.
Lembrando que não é apenas o New York Times que está nessa. Existem outros processos contra a Open IA, notadamente um movido por um grupo de 17 autores, incluindo o George RR Martin, por exemplo, que alegam infrações também de seus direitos autorais. Eles afirmam que o ChatGPT depende do “roubo sistemático em larga escala”.
Além disso, apesar de termos nossas legislações próprias, os argumentos utilizados, tanto por parte dos autores e réus em processos de outros países quanto as próprias decisões das Cortes, podem influenciar também o entendimento dos Tribunais daqui.
Trata-se de um embate entre empresas grandes e o que está em cheque não é apenas o que é ou não protegido por direitos autorais, mas os interesses financeiros dessas duas grandes empresas. No entanto, o que está em jogo no momento irá impactar também artistas e outros pequenos empresários que não tem a influência de um New York Times (e nem as condições de enfrentar legalmente a OpenAI).
No mais, é importante mencionar também que não devemos ver o surgimento de novas tecnologias com pânico, mas também não compro a ideia que muitos defendem de que “a tecnologia surgiu, não dá pra voltar atrás, então apenas aceitem”. Acredito que essa é uma posição muito acrítica. Sim, as tecnologias estão surgindo e tudo está mudando, mas precisamos pensar em seus limites éticos e não aceitar qualquer coisa. O fato é que a decisão desse caso vai se debruçar justamente sobre que “coisa” será essa.
☕ A Wacom foi duramente criada por utilizar imagens criadas por inteligência artificial na divulgação de seus produtos (como esse dragão). Para quem não sabe, a Wacom é uma empresa que fabrica mesas digitalizadoras usadas por artistas para desenho digital. A popularização de imagens geradas por IA tem tirado o emprego desses mesmo artistas do qual a Wacom depende para continuar comprando seus produtos… Contraditório, né? A empresa pediu desculpas, mas não colou muito.
☕ Quem não ouviu falar no último lançamento da Rabbit? Um produto com potencial de ser histórico.
☕ Não poderia deixar de falar de inteligência artificial sem indicar o texto “A responsabilidade de um criador”, de Hele Carmona para a Revista Recorte. O texto utiliza a obra Frankenstein como paralelo para discutir nossa relação com as novas tecnologias de IA que estamos criando
☕ O brasileiro leva o carnaval a sério. Como todo ano, já tá rodando por aí duas planilhas com os principais blocos que já estão pelas ruas do Rio e de São Paulo. A planilha diz qual bloco é, dia, horário, local, se é de graça e mais. Pode acessar aqui e aqui. E se você é do Rio e tá sem companhia para sair nos blocos, o grupo Última Astronave tem reunido foliões que querem companhia. Eu participo e posso atestar que é um grupo bem massa, porém atente-se às regras antes de entrar nesse link 👍
☕ A 4ª edição da Exposição IlustraDelas está com inscrições abertas! A nova edição terá como tema: Existe Futuro Possível? Considerando a crescente desigualdade social, o agravamento de desastres ambientais, a massificação de inteligências artificiais e tecnologias de controle social da vida humana: Quais horizontes e possibilidades de mundo o futuro abriga? Que futuro é este e como chegaremos lá? As inscrições vão até o dia 4 de fevereiro e podem ser feitas nesse link.
☕ The Pattern Challenge é um desafio proposto pela designer Mélanie Johnsson que consiste em postar a cada dois dias uma padronagem e compartilhar pelo Instagram com a hashtag #thepatternchallengebymel. É uma boa oportunidade de treinar a criatividade e aumentar a visibilidade do seu trabalho. Começa dia 1 de fevereiro e para saber quais são os prompts, é só clicar aqui.